Resenha: "Zalatune", de Nuno Gomes Garcia

06/02/2021 17:50

 

 

 

  Editora: Editorial Presença

  Autor: Nuno Gomes Garcia

  Edição: 1

  Número de páginas: 280

 

 

 

Sobre o autor

Oriundo de Matosinhos, Nuno vive em Paris, trabalhando como consultor editorial e divulgando a literatura lusófona pela rádio e pela imprensa escrita. Este é o seu quarto romance publicado.

 

 

A obra

Olá a todos!! :)

 

Okay, este livro foi uma surpresa! No conteúdo e na forma como o li. Comecei a lê-lo tranquilamente às 8h da manhã e… Bem, fazendo as pausas necessárias para compromissos inadiáveis, virei a última página pouco depois das 21h. Sim, comecei e terminei a história no mesmo dia! Também fiquei chocado…

 

E assim adentrei em Ínsula, a ilha que vive num regime enganador… A ilha que, em pleno ano de 2034, permite aos seus cidadãos a votação num referendo mensal das decisões mais importantes do país. Assim, em vez da eleição de representantes da sua soberania (como os membros de um Parlamento), votam diretamente naquilo que querem, decisão a decisão. Ou assim pensam eles…

 

Sim, porque a Transparência é uma ilusão, como o livro nos mostra. Já para não falar da forma como o chefe de Estado os consegue ludibriar pelo ódio e pelo preconceito. Onde é que eu já vi isto acontecer… E mesmo em Portugal, como infelizmente sabemos! E, realmente, o ódio pela imigração e conspurcação do sangue dos ínsulos surge como uma necessidade, visto que foram o único povo do mundo que se revelou imune à pandemia mais recente. Eles eram um povo superior.

Um povo superior que começa misteriosamente a desaparecer, um por um.

 

 

Nesta história, acompanhamos várias personagens que vão constituindo, meio que alternadamente, uns quantos núcleos de história. Assistimos ao presidente, vigiado 24h por dia pela população (ou assim pensa esta); aos envolvidos na construção do muro para proteção dos inimigos externos aprovado em referendo online; ao presidente e vice-presidente da oposição… E todos eles têm segredos e histórias carregadas sobre os ombros.

 

Acho que este é um dos pontos mais bem puxados do livro. Realmente, desde as primeiras páginas que queremos sempre saber algo mais sobre meias palavras e verdades parcialmente reveladas. E essa necessidade de saber mais foi responsável por me fazer virar as páginas tão rapidamente.

 

Contudo, senti que a objetividade tem os seus altos e baixos (apesar de sempre dentro de um espetro de qualidade). A verdade é que a história começa com a objetividade no máximo (o autor não perde tempo com descrições ou acontecimentos desnecessários), mas logo depois, em cada capítulo, conhecemos o passado de cada uma das personagens e aí pode ficar ligeiramente pesado. Atenção, temos sempre essa apresentação alternada com cenas do presente (todas elas bastante rápidas), mas por vezes pode ter sido demais. Já por outro lado, gostaria muito de ter conhecido mais sobre o mundo em si e obtido algumas imagens mais detalhadas/impactantes de diversas realidades para aumentar o realismo visual da história.

 

 

Por falar nisso, para mim aquele mundo é muito verosímil. E isto inclui-se no modo como o autor conjugou os diferentes fatores diferenciadores e incrivelmente criativos da história para que fizessem sentido como um todo. Ou ainda as citações que encabeçam cada capítulo (citações de pessoas ou documentos de Ínsula) que lhe conferem todo um tom de realidade.

 

A única coisa que me faltou neste campo foi mesmo a exploração do visual. Nem sempre via as personagens à minha frente ou mesmo os lugares como estou acostumado a visualizar. Alguns detalhes de objetos ou de espaços poderiam ter feito diferença na construção da história, e localizá-la melhor na mente do leitor.

O estilo do autor acaba por se aproximar de autores portugueses mais literários na forma expressiva de contar e de conduzir a narrativa. Mas fá-lo, apesar de tudo, de um modo mais "próximo da terra" do que estes, o que eu acho muito positivo. Seja como for, pela abordagem escolhida e pelo estilo que temos, aconselho o livro mais a adultos do que a adolescentes, sem dúvida alguma.

 

Ah, e devo dizer que ADOREI os significados da história. A dada altura, fiquei perdido e com receio de não estar a apanhar tudo aquilo de que precisava para a mensagem final. Mas depois consigo lá chegar. E a verdade é que o autor pega na ilha de (curiosamente) 10 milhões de habitantes e refere umas citações de intolerância que vão desde a situação penal até à comunidade queer pelas personagens, e particularmente ao tema dos imigrantes e de como é fácil pintá-los como um inimigo comum. E ainda se fala da tecnologia e de como se pode aliar a intenções políticas perigosas… Bem, depois de terminar o livro, fiquei séculos a pensar. Séculos! Especialmente nos significados ocultos que por ali andavam… (Sim, porque ele não termina de forma propriamente fechada…!)

 

E com isto vou terminar, porque já escrevi um testamento em comparação com outras resenhas. Mas a verdade é que, apesar de não ser muito longo, este livro traz muita coisa e precisava de vos contar tudo. Sim, o livro poderia ser melhorado (por exemplo, na criação de ritmo a meio da história ou na exploração de dilemas das personagens), mas continua a ser uma experiência que recomendo imenso! É dos livros portugueses que mais gostei de ler (senão mesmo o meu favorito!).

E faz-nos pensar sobre o hoje por cá! É tão necessário…

 

Boas leituras!! ;)

 

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